Terceiro módulo do curso “Economia Política” discute o porquê do dólar dominar a economia mundial

Educadores explicaram por que a dívida pública é vista como prejudicial para alguns países e positiva para outros


Onde está o dinheiro?
A pergunta orientou toda a exposição da terceira aula do Curso Popular de Economia Política, transmitido das 19h30 às 21h30 na última terça feira (13). A partir dela, a formação, de iniciativa da Rede Jubileu Sul e Semana Social Brasileira, buscou apresentar o capital financeiro e a sua importância na economia atual e como implica na concentração cada vez mais de riqueza nas mãos dos poucos.

Além da pergunta central, todas as temáticas do curso foram trabalhadas em conjunto com os mais de 150 alunos inscritos na atividade. Nesta aula as perguntas respondidas foram: “Como os ricos ganham dinheiro sem trabalhar?”; “Por que os bancos mandam no Brasil?”; “Por que falta dinheiro pra tudo?”; “Por que o dólar manda no mundo?” e “Por que não explicam isso na escola?”.

Contribuíram com o debate Fabio Luís Barbosa dos Santos, professor da Universidade Federal de São Paulo, autor de “Uma história da onda progressista sul-americana (1998-2016)” e Aline Miglioli, economista e educadora popular no Curso de Alfabetização de Jovens e Adultos da Vila Soma. A mediação foi Alessandra Miranda, da Semana Social Brasileira, e coube à economista e educadora popular Sandra Quintela, articuladora do Jubileu Sul Brasil, fazer o resgate da memória do módulo anterior no início da atividade.

Fábio Luis começou lembrando a importância do curso, feito para trabalhar temas que propositalmente são expostos de maneira complicada, para evitar o debate sobre o assunto. O professor explicou  como é possível para os ricos acumular riqueza sem trabalhar.

“Tem várias formas, mas todas elas passam por um denominador comum que é o fato deles terem propriedade. Na nossa sociedade propriedade se herda. A principal coisa que os ricos fizeram para ficar ricos é ganhar naquilo que Frei Beto chama de ‘loteria biológica’, ou seja, nascem ricos e vão ficando ainda mais ricos”.

Partindo desse ponto, seria necessário entender como essa propriedade faz com que eles fiquem mais ricos ainda. Embora o aluguel e a compra de terras sejam duas das formas mais comuns que se pode pensar de acumulação, Fábio lembra que o mundo das finanças é o método central pelo qual os ricos buscam acumular ainda mais patrimônio:

“A principal forma de ganhar dinheiro sem trabalhar são as aplicações financeiras. E o que é uma aplicação financeira? É quando uma pessoa ‘empresta’ dinheiro para uma instituição, essa instituição fica com aquele dinheiro e depois vai remunerar, em alguma medida, aquele dinheiro”.

Essa centralidade dos sistemas financeiros teve seu início nos anos 70, como uma resposta a uma crise muito forte da economia global. Desde lá, o capitalismo ganhou uma “dimensão financeirizada” cada vez mais expansiva. Esse mercado tem como combustível principal não mais o empréstimo de bancos e instituições financeiras a empresários, mas a negociação da dívida pública:

“Essa questão da financeirização entra aqui na América Latina via endividamento público. Esse endividamento público não é uma novidade, não vem dos anos 70, mas é esse período que vai mudar a qualidade dessa dívida, vai mudar o seu significado”, pontuou.

Ao falar dessa mudança de significado, Fábio explica que antes a política de endividamento do Estado tinha origem em um déficit na balança comercial, isto é, o país importava mais do que exportava, muitas vezes como uma estratégia de desenvolvimento que buscava industrializar a própria economia.

A diferença agora é que dívida deixou de ser parte de uma estratégia de desenvolvimento e acabou ganhando vida própria, ou seja, atualmente o Estado brasileiro se endivida para pagar a própria dívida.

“Imaginem uma pessoa que faz uma dívida para comprar uma televisão e, ao ter uma dificuldade para pagar a dívida, passa ao cheque especial. Ela tem dificuldade para cobrir o cheque especial, então entra nos juros do cartão de crédito. Quando vai ver, o que está devendo de juros é muito maior do que a dívida que tinha originalmente, e o que já foi pago em juros é muito maior do que a televisão custava. É isso que aconteceu com a dívida pública de alguns países, inclusive aqui no Brasil”, destaca.

Essa organização do sistema financeiro transforma o Estado em uma espécie de “aspirador de pó” das riquezas do país. Dado que a dívida é paga pela arrecadação de impostos, pagos principalmente pela classe trabalhadora. Essa organização transfere toda a renda do país e, consequentemente, dos trabalhadores para pagar os mais ricos que multiplicam o seu patrimônio com os juros pagos pelo empréstimo ao Estado, afirma.

“Aí eu pergunto: vocês acham que quem é rico no país vai querer fechar essa torneira de ganhar dinheiro sem fazer nada? Isso explica o porquê de as finanças mandarem no Brasil. Portanto, manter esse jogo funcionando é uma unanimidade entre os ricos no país. O que importa para valer é manter esse jogo funcionando independentemente de quem está em Brasília”, ressalta.

Com isso, o professor concluiu alertando que algumas das pautas defendidas pelo capital, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e a autonomia do Banco Central, têm o objetivo de manter esse sistema funcionando, sempre sob a chantagem de que não se pode perturbar o sistema financeiro, pois, caso contrário, haverá crise e fuga de capitais aqui do país.

Em seguida, a educadora popular Aline Miglioli buscou responder o motivo do dólar mandar em toda a economia global. Segundo ela seriam dois fatores: o primeiro motivo é o mercado internacional ser negociado sempre em dólar, fazendo com que os produtos sejam vendidos e comprados nessa moeda, o que já da um peso muito maior as políticas econômicas dos EUA. O segundo motivo é que a grande maioria dos países são endividados em dólar, caso da Argentina, por exemplo.

“Por que em dólar? Por que não o Euro? Isso não tem a ver com nada mais do que o poder político do próprio Estados Unidos. Se pensarmos o que significa a economia norte americana para o mundo, o que significa o seu poder econômico e militar, se pensarmos qual economia tem a menor chance de quebrar, é a economia norte americana. Nos momentos que ela chega próximo de quebrar, a solução passa por fazer alguma guerra em outro país, invadir um país latino-americano, então é uma moeda que é ‘segura’ nesses termos”, explica a educadora.

Dessa forma, esse endividamento se transforma em uma forma de dominação. Mas, ao falar de endividamento pode surgir a pergunta: por que para alguns países da América Latina é tão importante não estar devendo, enquanto para outros países, como a Alemanha, não existe esse discurso?

Segundo Aline, “no final dos anos 90, surge uma outra ferramenta que é capaz de disciplinar nós, países latino-americanos. Essa ferramenta se chama ‘risco país’, um índice calculado por agências internacionais que tem como objetivo expressar qual é o risco de um país dar ou não um calote na dívida. Teoricamente o cálculo desse índice é feito pela proporção da dívida em relação ao Produto Interno Bruto. Considerando os países latino-americanos, é esperado que a tenhamos uma proporção menor da nossa dívida em relação ao PIB”.

Mapa do risco-país
Mapa do risco-país

Ao mostrar o mapa, Aline observou que essa regra da proporção nem sempre é concluída para países fora do eixo central do capitalismo, como é o caso do Chile, que tinha apenas 14% do PIB comprometido com a dívida, ou da Argentina com 48%, e ainda assim tinham um risco país mais alto do que alguns países desenvolvidos, como por exemplo a Espanha, que tinha 99% do PIB comprometido com a dívida, EUA com 106% ou o Japão com 248%. Ou seja, a dívida era muito maior do que o PIB, porém a avaliação de risco país ainda é baixa.

Aos países latino-americanos o esperado é que o Estado seja enxuto e existe um fator político, muito mais do que econômico, na atribuição dessa nota. Esse fator acabaria sendo a principal justificativa para que algumas políticas econômicas sejam tomadas aqui no Brasil, por exemplo.

“Ao mesmo tempo que temos todos os mecanismos que direcionam o Estado a decidir que é melhor cortar políticas públicas, porque é a última coisa que resta, há toda essa justificativa de que o trabalhador brasileiro é um mau pagador. Tudo isso faz aumentar o que se chama de spread bancário, que nada mais é a diferença entre o valor pelo qual o trabalhador pega emprestado dinheiro e pelo qual empresta para o banco. Basicamente a diferença entre os juros do cartão de crédito e o rendimento da poupança”.

Spread bancário pelo muno
Spread bancário pelo muno

Aline mostra no gráfico que o Brasil possui o segundo maior valor de spread bancário do mundo, ou seja, aqui os bancos são remunerados muito acima da média para garantir o pagamento de juros e a remuneração para esses investidores do Tesouro.

“Voltando então aquela analogia doméstica, é como se aqui na minha casa as pessoas estivessem morrendo de fome e eu pegue esse dinheiro que era para comprar comida e, em vez disso, use para pagar o empréstimo que eu fiz com aquele meu primo rico que vai para Miami todo final de semana, seria basicamente isso. Não é racional porque, por outro lado, esse meu primo rico, ou esses investidores da dívida pública, têm o cenário perfeito, conseguem garantir a alta taxa de juros, a segurança no pagamento. Os bancos conseguem ganhar fortunas porque o trabalhador tem que se endividar cada vez mais e, de quebra, os capitalistas ainda ganham novos setores nos quais eles podem investir, como escolas, universidades, sistema de saúde”.

O próximo módulo terá como tema “Quem se apropria do Estado?”, com o encontro marcado para às 19h30 (horário de Brasília), dia 20 de abril (terça-feira), nos canais Youtube da Rede Jubileu Sul Brasil e Semana Social Brasileira.

As aulas ao vivo têm acesso exclusivo aos participantes inscritos, mas o conteúdo será disponibilizado para o público em geral nos canais de YouTube das organizações.  Confira o módulo 3:

 

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