Por uma transição energética popular: especialistas criticam falsas soluções “verdes”

Painelistas e público participante do 2º dia do II Seminário Internacional. Fotos: Flaviana Serafim

 

Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil

Desde que as turbinas começaram a funcionar, a usina de Itaipu gerou energia suficiente para iluminar o mundo todo durante 40 dias. 45% da eletricidade da América Latina vem de fontes hidrelétricas, quase três vezes mais que a média mundial.

Contudo, o Cone Sul vem se tornando alvo de falsas soluções “verdes”, tema central de um dos painéis realizados durante o II Seminário Internacional Soberania Energética, Integração Elétrica e Gestão Pública para o Bem Viver, realizado de 17 a 19 de agosto, presencialmente no Sindicato dos Trabalhadores da Administração Nacional de Energia Elétrica – SITRANDE, em Assunção (Paraguai) e virtualmente via Zoom e pelas redes sociais do Jubileu Sul Brasil.

painel debateu privatizações, conflitos armados, crise climática, populações afetadas, hidrogênio verde e luta antinuclear, com moderação de David Campos, do SITRANDE.

Guillermo Achucarro, da Campanha Itaipu Ñane Mba’e (Paraguai), discorreu sobre o “Uso local de energia: um olhar abrangente”. Ele falou sobre as mudanças climáticas que vêm afetando o setor elétrico na região e que o primeiro ponto de tensão são as falsas soluções que vêm sendo propagadas para o uso local de energia. Um exemplo é o do hidrogênio verde, com produção a partir de março de 2023 no Paraguai, com prestação de serviços contratada pela estatal Administração Nacional de Eletricidade (ANDE-Paraguai) junto a empresa privada para geração de 60 MW.

“A geração de hidrogênio ‘verde’ ocorre por um processo de eletrólise que exige muita geração de energia elétrica. Por isso que o Paraguai novamente se torna foco de atenção desse pequeno setor liderado por um grande investidor que fez parte de Itaipu”. Achucarro explicou que a ANDE assinou uma licença de produção e transporte de energia com a Paracel SA — uma empresa privada de celulose a partir de eucaliptos, que gera outros vários impactos ambientais — na qual a proposta é vender energia elétrica à estatal da mesma maneira que as outras formas de energia renováveis.

“Se pretende que haja alguma reparação de danos aos indígenas afetados sob essa lógica de entrega da exploração de energia?”, questionou. “Na nossa opinião, isso não aponta para um desenvolvimento integral porque aprofunda o modelo de saque a que historicamente os povos indígenas têm sido expostos, aprofunda a dependência da biomassa à qual a matriz energética do Paraguai está submetida. Há um claro interesse econômico por trás das soluções verdes, há muito dinheiro envolvido, mas não só. É sobretudo um poder, são territórios”, ressalta.

Em sua apresentação, Joilson Costa, da Frente por uma nova política energética para o Brasil, mostrou dados sobre o perfil energético do Brasil e Paraguai, discorreu sobre estudos a respeito da crise climática que afeta a América Latina e o Caribe fazendo uma análise crítica de relatórios do setor, como o The turning point – Um novo clima econômico na América do Sul”.

Joilson Costa (ao microfone), da Frente por uma nova política energética para o Brasil

De acordo com o coordenador executivo da Frente, o problema desses relatórios é que divulgam os impactos e consequências das mudanças climáticas, mas não “apontam claramente a necessidade da mudança do modelo energético. A transição energética que acreditamos e defendemos é a transição justa e popular. Não é qualquer transição, não é simples mudança de botão de combustíveis fósseis para fontes renováveis, mas uma transição baseada em princípios que não os adotados pela expansão energética”.

Membro do Observatorio Latinoamericano de Conflictos Ambientales – OLCA (Chile), María Paz López discorreu sobre a questão energética em seu país, outra nação do Cone Sul na qual governos neoliberais e multinacionais também tentam impulsionar falsas soluções verdes. Nessa disputa, López pontuou a importância da nova Constituição chilena, construída por assembleia a partir do “estalido” popular e cujo texto vai a plebiscito em setembro.

“Muito importante é o artigo 59º da Constituição, onde está consagrado o direito à energia e diz que todos têm direito a um mínimo vital de energia acessível e segura. Menciona-se também que a questão energética é baseada em energias renováveis ​​com baixo impacto ambiental, mas junto com outros pontos que foram deixadas na nova constituição, como os direitos da natureza. É um avanço significativo nesta matéria”, avalia.

Roda de conversa com o público durante o II Seminário Internacional

Agustin Saiz, do Movimiento Antinuclear Argentina – MARA fez uma exposição com um resgate sobre os projetos nucleares instalados no passado na América Latina e na América do Norte, e alertou para os riscos frente às possibilidades de uma nova onda de geração de energia nuclear no Sul global devido às crises climática, energética e aos conflitos bélicos como o atual entre Ucrânia e Rússia. A região do Cone Sul vem sendo alvo por conta da produção de urânio e dos governos – neoliberais e também progressistas – que vêm agindo para relançar planos nucleares e assim atender às demandas de produção sobretudo externas.

Além dos riscos, Saiz afirma que se trata de uma perda porque são os países nuclearizados que têm menos ferramentas e menos possibilidades de adotar outras formas de geração. Nós periféricos, abandonados, famintos países do mundo, não temos que pagar pela transição energética dos países do primeiro mundo para que eles mantenham seu consumo. Nós, que não temos nada a perder, temos tudo a ganhar reconvertendo completamente a nós mesmos e nossas comunidades ao não continuarmos adotando uma modelo de vida que veio ao planeta para essa crise”, concluiu.

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