Participantes das atividades do Encontro do Comitê Ceará. Foto: Daniel Alves/ Núcleo de comunicação Ceará
Programação de debates teve a participação de ao menos 120 pessoas de cinco comunidades da capital e interior cearense em torno do tema das dívidas sociais
Por Flaviana Serafim – Jubileu Sul Brasil
Pelo menos 120 pessoas participaram da programação de atividades do Encontro do Comitê Ceará da Rede Jubileu Sul Brasil (JSB), realizado entre os dias 2 e 4 de setembro, engajando comunidades como o Conjunto Palmeiras, Planalto Pici, Jangurussu, e as ocupações Raízes da Praia e Zona Vitória.
As atividades começaram na manhã da sexta-feira (2) em Fortaleza, com visita ao Planalto Pici coordenada pela multiplicadora Cícera da Silva Martins, do Movimento dos Conselhos Populares (MCP), que fez uma apresentação sobre como surgiram a comunidade e o movimento comunitário local.
Cícera recordou as origens do trabalho, nascido há 27 anos fruto das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) – a Margarida Maria Alves e a Frei Tito de Alencar, depois o surgimento do grupo de mulheres e a fundação do Grupo de Desenvolvimento Familiar (GDFAM), em funcionamento desde 1997. “Isso nos ajudou no nosso movimento de ocupação, que começou em julho de 1990, e até hoje a gente luta por por regularização fundiária”, relata.
Com o encontro do Comitê Ceará, o MCP, que é organização membro da Rede, “reafirma que todo esse processo de articulação e fortalecimento, tanto do movimento quanto do JSB, é fruto de anos de organização juntamente com as comunidades onde o movimento se articula. Isso faz com que a Rede seja também presença nos territórios trazendo todo o tema das dívidas sociais”, afirma Francisco Vladimir, colaborador do MCP e articulador do Jubileu Sul Brasil.
A agenda de debates pautou o que são as Zonas Especiais de Interesse Social – Zeis, uma vez que a comunidade luta por regularização fundiária, e foi também um momento de escuta das demandas comunitárias, como moradia digna e políticas públicas. No Planalto Pici, os representantes da Rede JSB visitaram ainda a Escola Comunitária Margarida Alves, a biblioteca e o Espaço Cultural Frei Tito de Alencar (ESCUTA).
No período da tarde, o encontro reuniu lideranças comunitárias, membros da academia, da Rede Jubileu Sul Brasil, pastorais sociais, organizações e movimentos parceiros no Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Estado do Ceará – ADUFC.
A articuladora nacional, economista e educadora popular Sandra Quintela falou sobre quem é, quais as articulações e os eixos prioritários de ação da Rede Jubileu Sul Brasil, tais como a Ação Mulheres por Reparação das Dívidas Sociais, que foi apresentada pela articuladora local Nenzinha Ferreira.
A questão do sistema de endividamento e das dívidas sociais foi pautada com a participação do economista André Lima Sousa, professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e membro da coordenação da Rede.
“Voltamos de lá muito animadas, com a força e o esperançar das comunidades. Com a força da ternura, da alegria, do afeto que nos move nessa forma de fazer política, que para nós não está dissociada do afeto”, diz Sandra Quintela (veja mais conferindo o vídeo no final do texto).
Os reais motivos da nova lei da Previdência
O primeiro dia do encontro terminou com noite cultural e o lançamento da cartilha “A Nova Lei da Previdência: o que você perde com ela?”, na Casa de Cultura e Restaurante Preta Simoa, no bairro Benfica, com participação da autora, a advogada agrarista e feminista Magnólia Said. A publicação impressa vai ser distribuída gratuitamente, multiplicando a discussão sobre o tema nos territórios onde a Rede atua.

Said avalia como acertada a decisão do Jubileu Sul Brasil publicar o material porque o debate sobre a nova legislação previdência não vem sendo feito, causando dúvidas na população sobre os direitos da aposentadoria, e agradeceu a articulação realizada para concretizar a produção da cartilha.
A advogada recordou os motivos alegados pelo ministro da Economia Paulo Guedes na tentativa de justificar a mudança pelo atual governo: “a de que o Brasil estava ‘quebrado’ e de que a população tinha que fazer sua cota de sacrifício, como se ninguém passasse a vida toda se sacrificando para os ricos ficarem onde estão, sem pagar por impostos. Como um país que tem em caixa R$ 3 trilhões pode estar quebrado?”.
Para responder à questão, Said resgatou a história do ministro. “Ele foi aliado e construtor da política econômica do ditador chileno Augusto Pinochet. Guedes e outros economistas [liberais] da Universidade de Chicago foram espalhados pelos países empobrecidos da América Latina para desestabilizar os regimes que porventura quisessem contrariar o imperialismo estadunidense. A reforma previdenciária daqui tem como espelho a reforma da Previdência chilena, que vem ocasionando mortes e depressão”.
Por isso, a advogada completa que foram outros os motivos reais da reforma da Previdência: liberar mais recursos do orçamento para o governo pagar os juros e amortizações da dívida pública, aumentar o número de pessoas que vão buscar previdência privada e reduzir o valor da alíquota paga pelas empresas ao INSS, que tem percentual variável de acordo com a faixa salarial do/a trabalhador/a.
Na prática, significa “diminuir a população que tem acesso aos benefícios previdenciários e os valores pagos, penalizando sobretudo as mulheres”. Ao final, Said defendeu que, logo após as eleições, os candidatos eleitos sejam cobrados para que se comprometam em reverter a nova lei previdenciária e a reforma trabalhista pois, caso contrário, não serão cumpridas as promessas de melhoria na economia e na vida da população.
Baixe a cartilha clicando aqui.
Visita à Croatá
No sábado (3), os representantes da Rede pegaram a estrada rumo à cidade de Croatá, no interior cearense, onde visitaram a ocupação Zona Vitória e promoveram uma roda de conversa da Coletiva de Mulheres com mais de 20 participantes.
A formação foi liderada por Quintela e Said para dialogar “a partir desse período eleitoral, mas também numa concepção de como elas se vêem enquanto mulheres dentro desse projeto político, sobre o que é política e como a discutimos. O objetivo foi trazê-las à discussão e à presença nos debates sobre as pautas locais”, explica a articuladora local Nenzinha Ferreira.
Ela ressalta que a roda de conversa foi relevante “para ampliar a visão das mulheres de que a política não se limita ao período eleitoral porque elas não tinham essa visão de que a política está no nosso cotidiano, nas nossas vidas”.
Em Fortaleza, ao longo dos três dias, a delegação do Jubileu Sul Brasil visitou ainda as comunidades de Palmeiras e se reuniu com cerca de 40 moradoras/es da comunidade Raízes da Praia, onde foi abordada a questão das dívidas sociais e financeiras.
“Para o Jubileu Sul Brasil, o tema da dívida se enraíza nos territórios. É uma questão que define um modelo de desenvolvimento que aprofunda essas dívidas sociais, o que faz com que as moradoras e moradores dessas comunidades tenham pouco acesso a uma vida digna”, afirma a articuladora nacional Sandra Quintela.

Pré Grito dos Excluídos e das Excluídas
A programação do terceiro e último dia do encontro reuniu comunidades de Fortaleza na manhã do domingo (4), no Sítio da Pastoral Operária, no bairro Jangurussu, para o
pré Grito dos Excluídos e Excluídas no Ceará, que nesta 28ª edição traz como lema “BRASIL: 200 anos de (In)dependência. Para quem?”.
“O encontro no Sítio da Pastoral Operária foi muito bom. A reflexão, a participação e a contribuição das pessoas foram fortes, com mais de 50 pessoas de nossas comunidades”, celebra Bete Silva, liderança do Conjunto Palmeiras.
Na roda de conversa com as comunidades, Sandra Quintela e Magnólia Said destacaram a importância das articulações enquanto cidade e não somente como território, e discorreram sobre os impactos do voto em todas as esferas da vida. Elas pontuaram que processo eleitoral também é uma ferramenta de articulação comunitária, e que as ações locais em luta por direitos e a escolha de presidente, governador e deputados estão entrelaçadas.
Durante as intervenções do público, as mulheres – maioria entre os participantes – comentaram a situação a partir de suas realidades e criticaram a apropriação das lutas locais por candidatos que chegam aos territórios propagando seus feitos, quando na realidade as conquistas resultaram do embate comunitário a partir das associações e da luta das mulheres.

Na avaliação de Nenzinha, foram “várias partilhas da diversidade de lutas locais, sobre a importância de estarmos nos articulando enquanto cidade e não somente como território. E sobre como as escolhas eleitorais impactam em nossas vidas, pois o processo eleitoral também é uma ferramenta de articulação comunitária e a escolha de presidente, governador e deputados estão entrelaçadas”, conclui.
O encontro foi encerrado com um almoço comunitário no Sítio da Pastoral Operária.
A visita ao Ceará contou com apoio, entre outros, do projeto Protagonismo da Sociedade Civil nas Políticas Macroeconômicas.